terça-feira, 2 de agosto de 2011

Esta expressão vã que em mim se insere

Esta expressão vã que em mim se insere
Esta incompatibilidade social de ser
Esta voz que pede, que tanto pede
E este desejo de escarnecer
Não sou pacífica,
Ouve o grito: Quero-te!
Precisas-me num grito maior?
Rígida a manga, sem estrelas nem sol
Paro-me estanque vedada
Nos meus olhos não vês nada
Se ao menos me soubesses ler...

Sabias?

Sou louca
Pois sou
Sabias que quando me perguntaste
Eu não estava lá?
Tropeço
Sim, sou eu
E sabias que quando o faço
Não caio ao chão?
Minto
Sim, sinto
Escondo-me de ti
Nestes versos desmedidos
De traços perdidos

Calma

Calma
Uma serenidade de mar
Em bom porto
A água cessou de ferver
Desconfiança positiva
De bom ser
De alegria prometida
Mesmo que não eterno
Interno sorriso
É bom ter-te
Sem posse
A meu lado
Olhando o horizonte
De são pôr
As minhas falanges
Sorriem-te
As minhas pirâmides
Erguem-te altar

Queria escrever o que sinto

Queria escrever o que sinto
Tarefa árdua.
Cada vez que tento
Traduzi-lo em palavras
Represa-se na minha boca.
Grito-o em afonia
Instintivamente
E é um vómito efémero
Inconsistente
Que me arde na garganta.
Maliciosamente ubíquo.
E calá-lo não posso
Esse vómito em grito que me arde.
Talvez deva tragar estas sensações
Em abreviados goles
Digerir as vontades que me assolam
Em doses apertadas de ensejos
E educar, educar meus medos

Apenas nós

Vou mentir
Ouviste?
Fica atento!
Vou parecer-te eu
Mas não
Vou ser mentira
Mentirizar-me
Vai soar a verdade
Vais acreditar
Impossível o contrário
Mas lembra-te:
É mentira!
Quando eu o disser
Vai parecer perfeito
Vai parecer inteiro
Mas vai ser aparência
Vais desejar o real
Ou simplesmente não
Ter medo
Mas eu vou contar-te
O segredo de quem sou
Uma mentira
(Mãe, tiras-me daqui?)
Um dia
Quando unirmos no mesmo degrau
O nosso calçado desproporcional
Será de uma forma autêntica
Uma autêntica mentira
Sem pés
Nem cabeça
De pé e a pé
Apenas nós

Já te toquei?

Já te toquei?
Observa
Sentiste o toque
De um não contacto
Um pensar erróneo
De um conceito de abraço
Toquei-te?
Pois já não te existo

As luzes desse céu

As luzes desse céu
Virado de costas
Que se aconchega
No teu ombro
Essas míseras derrotas
Que te encandeiam
Te confrontam
E te afogam em ti
E arde, queimam
E levam-te p’ra longe
E a luz, essa luz
Volta a raiar-te o ser
Amanhã. De manhã.

Se queres magoar

Se queres magoar
Deixa que te magoem
Para aprenderes
Para saberes onde mais dói
E do jeito que fere
Não pode só doer
Ferir apenas
Tens que accionar a mágoa
Torná-la activa
E dá-lhe enzimas
Roda a lâmina
Provoca feridas
De cicatrizes densas
Linhas que se entranham
E pontos que se absorvem
E aumentam esse desatino
Em doses lentas

Pseudoperca

Perdi. Perdi. O que perdi.
É esta a direcção em que olhas
Nesse espanto inalcançável.
Nunca perdeste!
Admitir que se perde
É permitir um ganho
E quem ganhou?
Nunca ninguém ganhou!
Foi esse olhar de quem se dissipa
Esse decair de corpo
Essa transparência que te escorreu
Que tornou, que te devolve o ser
Languidez é o que te experimenta
Esse desleixo, esse cansaço
Próprio de quem labutou
De quem sonha
De quem acredita
E medita na crença
É a prova de que te assistes
De que existes e estás mais perto

Lama

Não chores!
Quando te olho
Também te vejo
Não chores
(Criança que brincas no regato)
Quando sentires
A sujeira nas tuas mãos
Dessa lama que te consome
Não chores
Se te sujas, é porque brincas
Não chores, eu estarei aqui
E não me vou mover
Mas vou observar
Como limpas as mãos
E vou ver
Cada linha que surge
Límpida sobre a tua pele
Da mão que ofereces
Não te preocupes se te esquecem
Superior és tu que recordas